sexta-feira, 24 de setembro de 2010

UTOPIA


Pintura de Vieira da Silva
UTOPIA

Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria
Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu desafio

Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio, este rumo, esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?


José Afonso



(Utopia cantada por João Afonso)

A GREVE DAS PALAVRAS

Rigorosamente vigiadas,
Como ondas contidas à força de diques
Como cavalos a que puxamos violentamente o freio
As palavras vão-se morrendo
Lentamente
Asfixiadas, dentro do peito.

Flores adiadas para uma, sempre outra, Primavera
As palavras
Usurpadas
Desistem.
Entram em greve.
Paralisadas nas bocas.

E é assim que, como uma doença, o silêncio alastra nas nossas vidas.
O silêncio, como única arma
O silêncio, como último reduto das palavras,
Amadas.
                                                                   Maria Terra

A GREVE DAS PALAVRAS (versão áudio por Maria Terra)

Reflexões

As sementes sãs, tal como as boas ideias e os bons ovos, não são as que se quedam à tona d'água mas as que vão ao fundo.
O que não presta (se exceptuarmos o azeite, a cortiça e os nenúfares...) vem sempre ao de cima.
É essa, aliás, a única maneira de distinguir o indispensável do acessório. E, já agora, de sabermos o que geralmente vale a pena deitar à terra para que cresça e frutifique.
                                                                                                                                    
                                                                                                                                      Maria Terra (texto)